Poesias Espíritas (Bordeaux - Médium: Sra. E. Collignon) - Meu testamentoMEU TESTAMENTO
Posto que rimado, creio que não será inferior,
Compreendamo-nos.
Nele o que exalto
Não é a rima, que não é boa;
É o espírito que... Ao diabo essa gíria!
O espírito não é também o que me preocupa.
Compreendam bem, por favor:
Só o Espírito vivifica
Assim entendo esse vocábulo.
Eu, que não sou um deles, mas em breve serei
─ Ao menos o espero ─ queria comparecer,
Não como um simples tolo,
Mas como um pobre Espírito, humilde e arrependido,
Pondo no meu Senhor toda a minha esperança
E contando, para chegar ao plano dos eleitos,
Muito com sua bondade, pouco com minha virtude!
Expliquemo-nos mais, pois sempre me equivoco;
A bondade de Deus é tudo o que eu invoco,
Assim, retomando o assunto,
Antes de ir ouvir a sentença,
Que me abate ou justifica,
Quero regular o melhor que puder
Todas as velhas contas de minha vida.
Algumas delas ─ confessarei bem baixinho
─ Estão vivas no coração.
Vejamos como fazer
Para arranjar as coisas do melhor modo possível.
Não há entre nós a menor diferença.
Primeiro, quando o Espírito deixar este meu corpo,
Exijo uma boa prece
Que será meu passaporte
De pobre morto
Que entrega seu pó à terra.
Isto feito, é no meu enterro
Que é preciso pensar, e aposto
Que, sem vos comoverdes,
Será um enterro modesto.
Aliás, quando vivo, fiquei sempre chocado
Ao ver sobre os túmulos o luxo amontoado,
Quando entregamos à massa de argila
O pouco de que fomos formados.
Por que nos ocuparmos de uma fútil glória?
Muitos se perderam por serem adulados.
A prece de Deus provoca a clemência.
Nós o cremos.
Tal é, também, minha esperança.
Mas por que orar mais por uns que por outros?
Pra que servem aprestos exibidos para este?
Por que o infeliz, que morre na miséria,
Não tem, como eu, o concurso da prece?
Por que a exibição desse luxo tão caro,
Que faz brotar a inveja em que não se pensava?
Para enganar os homens ou conquistar o Céu?
Se é para o enganar, anátema à mentira!
Se é para atrair as graças do Senhor,
Orai antes por quem, privado da ventura
Que a riqueza nos dá,
Tendo sofrido muito, faz jus a essa largueza
Que não vos custa um vintém!
Ora, escutai-me bem: mesmo tendo por louco.
O meu Espírito ao deixar a Terra,
Ele quer ir a Deus, levado pela prece
Que sai do coração,
A única ─ escutai ─ que o Senhor escuta.
Levai-me sem despesa, ruído e aparato:
E, ao contrário do usual,
Que vossos olhos sejam radiantes!
Que em vez de choro em vossos cantos
Retina um tom de alegria!
Deixai a tristeza à dúvida.
Graças a Deus somos crentes!
Não penseis, filhos, que é a economia
Que assim me faz falar!
Não me preocupei muito com o dinheiro
Durante a minha vida, Imaginem depois da morte!
Quero deixar iguais
Os pratos da balança,
E desse luxo que se exibe
Para dourar a lama deste corpo,
Reparar as faltas para com os infelizes.
Quero que desse pano, com que se cobre a morte.
Sejam eliminados todos os ornamentos.
É sempre a mesma mão que ceifa os nossos dias.
É a porta do Céu, não a porta do Louvre,
Que o meu arrependimento e humildade
Pede a São Pedro que abra.
Que a muda eloquência de uma cruz de madeira
Desvie a vingança do Senhor ofendido.
Que minh’alma suba em sua simplicidade,
E que esse ouro perdido vá cobrir a nudez
Da criança, do velho, meus irmãos nesta vida,
Meus iguais ante a morte, talvez mais lá no Céu,
Que de joelhos cada um suplique
Aos que chamamos bem-aventurados!
Antes de terminar, um salutar conselho
Talvez aqui encontre o seu lugar:
Que vos ilumine a luz da Caridade;
Ligai pouco à opinião dos tolos.
Do luxo enganador, que exibe o orgulhoso,
Desconfiai sempre.
Ao coração nada iguala
A felicidade do dever cumprido.
Ajudai a fraqueza do oprimido.
Que vossa alma responda ao grito da aflição.
Que haja um eco pronto a repeti-lo.
Que vossa mão, filhos, esteja pronta a aliviar.
Com a ajuda do pouco ouro que entre vós eu partilho
Acumulai tesouros pra fazer a viagem,
Da qual não regressa o Espírito virtuoso!
Semeai benefícios, recolhei virtudes.
Pedi ao Senhor suas luzes mais claras.
Ide buscar irmãos por entre os infelizes,
E que Deus vos conceda, em sua grande bondade,
Seguir apenas a lei do Amor, da Caridade!...