Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Poesias Espíritas (Bordeaux - Médium: Sra. E. Collignon) - Meu testamento

MEU TESTAMENTO


Posto que rimado, creio que não será inferior,

Compreendamo-nos.

Nele o que exalto

Não é a rima, que não é boa;

É o espírito que... Ao diabo essa gíria!

O espírito não é também o que me preocupa.

Compreendam bem, por favor:

Só o Espírito vivifica

Assim entendo esse vocábulo.

Eu, que não sou um deles, mas em breve serei

─ Ao menos o espero ─ queria comparecer,

Não como um simples tolo,

Mas como um pobre Espírito, humilde e arrependido,

Pondo no meu Senhor toda a minha esperança

E contando, para chegar ao plano dos eleitos,

Muito com sua bondade, pouco com minha virtude!

Expliquemo-nos mais, pois sempre me equivoco;

A bondade de Deus é tudo o que eu invoco,

Assim, retomando o assunto,

Antes de ir ouvir a sentença,

Que me abate ou justifica,

Quero regular o melhor que puder

Todas as velhas contas de minha vida.

Algumas delas ─ confessarei bem baixinho

─ Estão vivas no coração.

Vejamos como fazer

Para arranjar as coisas do melhor modo possível.

Não há entre nós a menor diferença.

Primeiro, quando o Espírito deixar este meu corpo,

Exijo uma boa prece

Que será meu passaporte

De pobre morto

Que entrega seu pó à terra.

Isto feito, é no meu enterro

Que é preciso pensar, e aposto

Que, sem vos comoverdes,

Será um enterro modesto.

Aliás, quando vivo, fiquei sempre chocado

Ao ver sobre os túmulos o luxo amontoado,

Quando entregamos à massa de argila

O pouco de que fomos formados.

Por que nos ocuparmos de uma fútil glória?

Muitos se perderam por serem adulados.

A prece de Deus provoca a clemência.

Nós o cremos.

Tal é, também, minha esperança.

Mas por que orar mais por uns que por outros?

Pra que servem aprestos exibidos para este?

Por que o infeliz, que morre na miséria,

Não tem, como eu, o concurso da prece?

Por que a exibição desse luxo tão caro,

Que faz brotar a inveja em que não se pensava?

Para enganar os homens ou conquistar o Céu?

Se é para o enganar, anátema à mentira!

Se é para atrair as graças do Senhor,

Orai antes por quem, privado da ventura

Que a riqueza nos dá,

Tendo sofrido muito, faz jus a essa largueza

Que não vos custa um vintém!

Ora, escutai-me bem: mesmo tendo por louco.

O meu Espírito ao deixar a Terra,

Ele quer ir a Deus, levado pela prece

Que sai do coração,

A única ─ escutai ─ que o Senhor escuta.

Levai-me sem despesa, ruído e aparato:

E, ao contrário do usual,

Que vossos olhos sejam radiantes!

Que em vez de choro em vossos cantos

Retina um tom de alegria!

Deixai a tristeza à dúvida.

Graças a Deus somos crentes!

Não penseis, filhos, que é a economia

Que assim me faz falar!

Não me preocupei muito com o dinheiro

Durante a minha vida, Imaginem depois da morte!

Quero deixar iguais

Os pratos da balança,

E desse luxo que se exibe

Para dourar a lama deste corpo,

Reparar as faltas para com os infelizes.

Quero que desse pano, com que se cobre a morte.

Sejam eliminados todos os ornamentos.

É sempre a mesma mão que ceifa os nossos dias.

É a porta do Céu, não a porta do Louvre,

Que o meu arrependimento e humildade

Pede a São Pedro que abra.

Que a muda eloquência de uma cruz de madeira

Desvie a vingança do Senhor ofendido.

Que minh’alma suba em sua simplicidade,

E que esse ouro perdido vá cobrir a nudez

Da criança, do velho, meus irmãos nesta vida,

Meus iguais ante a morte, talvez mais lá no Céu,

Que de joelhos cada um suplique

Aos que chamamos bem-aventurados!

Antes de terminar, um salutar conselho

Talvez aqui encontre o seu lugar:

Que vos ilumine a luz da Caridade;

Ligai pouco à opinião dos tolos.

Do luxo enganador, que exibe o orgulhoso,

Desconfiai sempre.

Ao coração nada iguala

A felicidade do dever cumprido.

Ajudai a fraqueza do oprimido.

Que vossa alma responda ao grito da aflição.

Que haja um eco pronto a repeti-lo.

Que vossa mão, filhos, esteja pronta a aliviar.

Com a ajuda do pouco ouro que entre vós eu partilho

Acumulai tesouros pra fazer a viagem,

Da qual não regressa o Espírito virtuoso!

Semeai benefícios, recolhei virtudes.

Pedi ao Senhor suas luzes mais claras.

Ide buscar irmãos por entre os infelizes,

E que Deus vos conceda, em sua grande bondade,

Seguir apenas a lei do Amor, da Caridade!...

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