Contradições na linguagem dos Espíritos.
As contradições, encontradas tão frequentemente na linguagem dos Espíritos, mesmo sobre questões essenciais, para algumas pessoas foram até aqui uma causa de incerteza, quanto ao valor real de suas comunicações, circunstância da qual não deixam os adversários de tirar partido. À primeira vista, essas contradições parecem realmente uma das principais pedras de tropeço da ciência espírita. Vejamos se têm elas a importância que lhes emprestam.
Perguntaremos, de início, qual a ciência que não teve, em seus primórdios, semelhantes anomalias; qual o sábio que, nas suas investigações, não foi algumas vezes confundido por fatos que aparentemente contradiziam as regras estabelecidas; se a botânica, a zoologia, a fisiologia, a medicina e a nossa própria língua não nos oferecem milhares de exemplos semelhantes e se suas bases desafiam qualquer contradição. É comparando os fatos, observando as analogias e as dessemelhanças que pouco a pouco se chega a estabelecer as regras, as classificações, os princípios: numa palavra, a constituir a ciência. Ora, o Espiritismo apenas acaba de desabrochar. Assim, pois, não é de admirar que se ajuste à lei comum, até que seu estudo esteja completo. Só então reconhecer-se-á que aqui, como em tudo o mais, a exceção quase sempre vem confirmar a regra.
Aliás, os Espíritos sempre nos disseram que não nos inquietássemos com essas pequenas divergências, e que em pouco tempo todos seriam levados à unidade de crença. Com efeito, esta predição se realiza diariamente, à medida que mais e mais penetramos nas causas desses fenômenos misteriosos e que os fatos são mais bem observados. Já as dissidências manifestadas na origem tendem evidentemente a um enfraquecimento. Pode-se mesmo dizer que atualmente não passam de opiniões pessoais isoladas.
Embora o Espiritismo esteja na natureza e tenha sido conhecido e praticado desde a mais alta antiguidade, é um fato que em nenhuma outra época foi tão universalmente espalhado quanto em nossos dias. É que outrora faziam dele um estudo misterioso, no qual o vulgo não era iniciado. Ele se conservou por uma tradição que as vicissitudes da humanidade e a falta de meios de transmissão enfraqueceram insensivelmente. Os fenômenos espontâneos, que não deixaram de se produzir de vez em quando, passaram despercebidos ou foram interpretados segundo os preconceitos ou a ignorância da época; ou, ainda, foram explorados em proveito desta ou daquela crença. Estava reservado ao nosso século, no qual o progresso recebe um impulso incessante, trazer à plena luz uma ciência que, por assim dizer, apenas existia em estado latente. Só há alguns anos é que os fenômenos foram observados seriamente. Na verdade o Espiritismo é uma ciência nova, que se implanta pouco a pouco no espírito das massas, esperando ocupar uma posição oficial. A princípio esta ciência pareceu muito simples. Para as criaturas superficiais, não passava da arte de mover as mesas. Uma observação mais atenta, entretanto, revelou que era, por suas ramificações e por suas consequências, muito mais complexa do que se imaginava. As mesas girantes são como a maçã de Newton, que na sua queda encerra o sistema do mundo.
Aconteceu com o Espiritismo o que acontece, de início, a todas as coisas: os primeiros não puderam ver tudo; cada um viu por seu lado e apressou-se a comunicar as suas impressões sob seu ponto de vista e conforme às suas ideias e preconceitos. Ora, não se sabe que, conforme o meio, um mesmo objeto a uns pode parecer frio e a outros quente?
Tomemos ainda outro exemplo das coisas vulgares, mesmo triviais, a fim de nos fazermos melhor entender.
Lemos, ultimamente, em vários jornais: “O cogumelo é um produto dos mais bizarros: delicioso ou mortal, microscópico ou de dimensões fenomenais, constantemente desorienta os botânicos. No túnel de Doncastre existe um cogumelo que há doze meses se desenvolve e, ao que parece, não chegou à fase final de seu crescimento. Atualmente ele mede quinze pés de diâmetro. Veio numa tora de madeira e é considerado o mais belo espécime de cogumelo jamais observado. Sua classificação é difícil, porque as opiniões estão divididas.” Assim, eis a ciência perturbada pelo aparecimento de um cogumelo que se apresenta sob um novo aspecto. Este fato provocou em nós uma reflexão: Suponhamos vários naturalistas observando, cada um por seu lado, uma variedade desse vegetal. Um dirá que o cogumelo é um criptógamo comestível, apreciado pelos gulosos; o segundo dirá que é venenoso; o terceiro, que é invisível a olho nu; o quarto, que pode alcançar até quarenta e cinco pés de circunferência, etc. À primeira vista, todas as afirmações são contraditórias e muito pouco aptas à fixação de ideias sobre a verdadeira natureza dos cogumelos. Depois virá um quinto observador que há de reconhecer a identidade dos caracteres gerais e mostrará que essas propriedades tão diversificadas não constituem mais que variedades ou subdivisões de uma só e mesma classe. Cada um tinha razão de seu ponto de vista; todos, porém, estavam errados quando concluíram do particular para o geral e quando tomaram a parte pelo todo.
Dá-se o mesmo em relação aos Espíritos. Têm sido julgados segundo a natureza das relações com eles estabelecidas, em consequência do que uns foram feitos demônios e outros, anjos. Porque houve pressa em explicar os fenômenos antes que se visse tudo, cada um o fez a seu modo e, muito naturalmente, buscou as causas naquilo em que consistia o objeto de suas preocupações. O magnetista tudo referiu à ação magnética; o físico, à ação elétrica, e assim por diante. A divergência de opiniões em matéria de Espiritismo vem, pois, dos diferentes aspectos sob os quais é considerado. De que lado está a verdade? É o que cabe ao futuro demonstrar. Mas a tendência geral não poderia oscilar. Evidentemente, um princípio domina e reúne pouco a pouco os sistemas prematuros. Uma observação menos exclusiva unirá todos a uma origem comum, e em breve veremos que em definitivo a divergência será mais acessória que de fundo.
Compreende-se muito bem que os homens erijam teorias contrárias em relação às coisas, mas o que pode parecer mais original é que os próprios Espíritos se contradigam. Foi isso que, de início, lançou uma espécie de confusão nas ideias. As várias teorias espíritas têm, pois, duas fontes: umas nasceram do cérebro humano; outras foram dadas pelos Espíritos. As primeiras emanam de homens que, confiando demasiado nas próprias luzes, creem possuir a chave daquilo que buscam, quando o mais das vezes apenas encontraram uma gazua. Isto nada tem de surpreendente, mas que, entre os Espíritos, uns dissessem uma coisa e outros dissessem outra, era menos concebível. No entanto, agora isto é perfeitamente explicável. A princípio, fez-se uma ideia absolutamente falsa da natureza dos Espíritos. Eles foram imaginados como seres à parte, de natureza excepcional, nada possuindo em comum com a matéria e devendo saber tudo. Eram, conforme opinião pessoal, seres benfeitores ou malfeitores, uns com todas as virtudes, outros com todos os vícios e todos, em geral, com um saber infinito, superior ao da humanidade. À notícia das recentes manifestações, a primeira ideia que em geral veio à mente da maior parte das criaturas foi de que isto era um meio de penetrar todas as coisas ocultas; um novo modo de adivinhação menos sujeito à dúvida que os processos vulgares. Quem poderia dizer o número dos que sonharam fazer fortuna fácil pela revelação de tesouros ocultos, de descobertas industriais ou científicas que não custariam aos inventores mais que o trabalho de fazer uma descrição ditada pelos sábios do outro mundo! Só Deus sabe quantos fracassos e desilusões. Quantas pretensas receitas, cada qual mais ridícula, não foram dadas pelos chalaceadores do mundo invisível! Conhecemos alguém que pediu uma receita infalível para pintar os cabelos. Foi-lhe dada uma fórmula de composição cerosa, que reduziu a cabeleira a uma espécie de massa compacta, da qual o paciente teve um trabalho imenso para se livrar. Todas essas esperanças quiméricas tiveram de se desvanecer à medida que ficou mais bem conhecida a natureza desse mundo e o verdadeiro objetivo das visitas que nos fazem os seus habitantes. Mas, então, para muita gente, onde estava o valor desses Espíritos, que nem tinham o poder de proporcionar alguns milhões aos que nada faziam? Não poderiam ser Espíritos! A febre passageira foi substituída pela indiferença e nalguns pela incredulidade. Oh! Quantos prosélitos teriam feito os Espíritos, se pudessem beneficiar os ociosos! O próprio diabo teria sido adorado se ele houvesse agitado a sua bolsa.
Ao lado dos sonhadores havia gente séria, que nesses fenômenos via algo mais que vulgaridade. Eles observaram atentamente; sondaram os refolhos desse mundo misterioso e facilmente perceberam nesses fatos estranhos, senão novos, um fim providencial de ordem mais elevada. Tudo mudou de aspecto quando se ficou sabendo que os Espíritos são as criaturas que viveram na Terra, e cujo número iremos aumentar, depois de nossa morte; que eles aqui deixaram o envoltório grosseiro, como o bicho da seda deixa a sua crisálida para tornar-se borboleta. Não pudemos duvidar quando vimos que os nossos pais, amigos e contemporâneos vinham conversar conosco, dando irrecusáveis provas de sua presença e de sua identidade. Considerando a grande diversidade de caracteres que a humanidade apresenta, sob o duplo ponto de vista intelectual e moral, e a multidão que diariamente emigra da Terra para o mundo invisível, repugna à razão admitir que um estúpido samoieda, um feroz canibal ou um vil criminoso sofram com a morte uma transformação que os ponha em pé de igualdade com o sábio e o homem de bem. Assim, compreendeu-se que poderia e deveria haver Espíritos mais adiantados ou menos adiantados e, desde então, ficaram muito naturalmente explicadas essas comunicações tão diversificadas, em que uns se elevam ao sublime, enquanto outros se arrastam na imundície. Compreendemos ainda melhor quando, deixando de acreditar que nosso pequeno grão de areia perdido no espaço é o único habitado entre tantos milhões de globos semelhantes, soubemos que, no universo, ele ocupa posição intermediária, próxima à dos mais baixos da escala; que, em consequência, há seres mais adiantados que os mais adiantados entre nós, e outros ainda mais atrasados que os nossos selvagens. Desde então, o horizonte intelectual e moral ampliou-se, como o nosso horizonte terreno, quando foi descoberta a quarta parte do mundo; o poder e a majestade de Deus ao mesmo tempo cresceram, aos nossos olhos, do finito ao infinito. Assim, logo ficaram explicadas as contradições da linguagem dos Espíritos, porque se compreendeu que seres inferiores sob todos os pontos de vista não podiam pensar nem se exprimir como os superiores; que, assim, não podiam saber tudo, nem tudo compreender, e que Deus deveria reservar apenas aos eleitos o conhecimento dos mistérios inatingíveis pela ignorância.
A escala espírita, traçada pelos próprios Espíritos e conforme à observação dos fatos, dá-nos a chave de todas as anomalias aparentes da linguagem dos Espíritos. É preciso chegar, pela força do hábito, a conhecê-los, por assim dizer, à primeira vista, e poder deduzir a sua classe conforme a natureza de suas manifestações. É preciso, conforme a necessidade, dizer a um que é mentiroso, a outro que é hipócrita, a este que é malévolo, àquele que é chocarreiro, etc., sem se deixar impressionar por sua arrogância e fanfarronadas, nem por suas ameaças ou seus sofismas e nem mesmo por suas lisonjas. É o meio de afastar essa turba que incessantemente pulula em redor de nós e que se afasta quando sabemos atrair apenas os Espíritos verdadeiramente bons e sérios, da mesma maneira que procedemos em relação aos vivos. Serão esses seres ínfimos eternamente votados ao mal e à ignorância? Não, pois nem essa parcialidade seria conforme à justiça, nem conforme à bondade do Criador, que provê à existência e ao bem-estar do menor inseto. É por uma sucessão de existências que eles se elevam e dele se aproximam à medida que melhoram. Esses Espíritos inferiores só conhecem Deus pelo nome; nem o veem nem o compreendem, do mesmo modo que o último camponês, no fundo de suas urzes, não vê nem compreende o soberano que governa o país que habita.
Se estudarmos cuidadosamente o caráter próprio de cada classe de Espíritos, compreenderemos facilmente que alguns há incapazes de fornecer ensinamentos exatos sobre o estado de seu mundo. Se, além disso, considerarmos que outros há que, por sua natureza, são levianos, mentirosos, zombeteiros, malévolos e que outros ainda se acham imbuídos das ideias e dos preconceitos terrenos, compreenderemos que, em suas relações conosco, podem divertir-se à nossa custa; conscientemente induzir-nos ao erro por malícia; afirmar aquilo que não sabem; dar-nos conselhos pérfidos ou mesmo enganar-se de boa-fé, julgando as coisas de seu ponto de vista. Façamos uma comparação.
Suponhamos que uma colônia de habitantes da Terra um belo dia encontre meios de ir à Lua; suponhamos que essa colônia seja composta de diversos elementos da população do nosso globo, desde o mais civilizado europeu até o selvagem australiano. Os habitantes da Lua ficarão muito sensibilizados e mesmo deslumbrados se puderem obter de seus visitantes ensinamentos precisos sobre o nosso planeta, que alguns supunham habitado, mas que não tinham certeza, de vez que entre eles há criaturas que se julgam os únicos seres do universo. Caem sobre os recém-vindos, interrogam-nos e os sábios se aprestam para publicar a história física e moral da Terra. Como não seria uma história autêntica, uma vez que dispõem de testemunhas oculares? Um deles recolhe em casa um zelandês, o qual informa que aqui na Terra é um regalo comer homens; que Deus o permite, pois as vítimas são sacrificadas em sua honra. Em casa de um outro está um filósofo e moralista, que fala de Platão e de Aristóteles e lhe diz que a antropofagia é uma abominação condenada por todas as leis divinas e humanas. Aqui é um muçulmano, que não come os homens, mas diz que a salvação é conseguida matando o maior número possível de cristãos; ali é um cristão dizendo que Maomé foi um impostor; além é um chinês que considera todos os demais como bárbaros e afirma que quando os filhos são muitos, Deus permite que sejam lançados ao rio; um boêmio pinta o quadro da vida dissoluta das capitais; um anacoreta prega a abstinência e as mortificações; um faquir indiano estraçalha o corpo e, para abrir as portas do céu, durante anos se impõe sofrimentos tais que, comparativamente, as privações dos mais piedosos cenobitas constituem sensualidade. Vem a seguir um bacharel, que afirma que é a Terra que gira e não o Sol; um campônio diz que o bacharel é um mentiroso, pois ele vê muito bem o sol nascer e se pôr; um senegalês diz que faz calor; um esquimó, que o mar é uma planície gelada e que só se viaja de trenó. A política não fica esquecida: uns elogiam o regime absolutista, outros a liberdade; este diz que a escravidão é contrária à natureza e que, como filhos de Deus, todos os homens são irmãos; aquele, que algumas raças foram feitas para a escravidão e que são muito mais felizes do que no estado de liberdade, etc. Creio que os escritores selenitas sentir-se-iam muito embaraçados para escrever a história física, política, moral e religiosa do mundo terrestre, baseados em semelhantes documentos. “Quem sabe” pensam alguns deles, “se encontremos maior unidade entre os sábios? Interroguemos o grupo de doutores.” Um deles, médico da Faculdade de Paris, centro de luzes, diz que todas as moléstias têm por princípio um sangue viciado e que, por isso, é preciso renovar o sangue, sangrando, seja qual for o caso. ─ Errais, meu sábio confrade”, replica um segundo, “o homem nunca tem sangue demais; se lho tirais, tirais-lhe a vida. Concordo que o sangue possa estar viciado, mas o que é que se faz quando um vaso está sujo? Ninguém o quebra, procura-se lavá-lo; então, dai purgantes, purgantes, purgantes até limpar. Um terceiro toma a palavra e diz: — Senhores, com as vossas sangrias matais os doentes e com os vossos purgantes os envenenais. A natureza é mais sábia que nós todos. Deixemo-la atuar. Esperemos. — É isto — replicam os dois primeiros — se matamos os nossos doentes, vós os deixais morrer. Os ânimos se alteram, quando um quarto, tomando de lado um selenita, arrasta-o para a esquerda e lhe diz: — Não os escuteis, são todos uns ignorantes. Eu nem sei por que eles pertencem à Academia! Acompanhai o meu raciocínio: todo doente é fraco; há, portanto, um enfraquecimento dos órgãos. Isto é lógica pura, ou eu não me conheço mais. Há, pois, que lhes dar tônus, mas, para isto, só há um remédio: água fria. Daí não me afasto. — Curais todos os vossos doentes? — Todos, desde que a doença não seja mortal. — Com um processo assim infalível, sois da Academia? — Apresentei minha candidatura três vezes, mas o senhor acredita que sempre fui barrado por esses pretensos sábios, porque eles sabiam que eu os pulverizaria com a minha água fria? — Senhor Selenita — diz outro interlocutor, puxando-o para a direita — nós vivemos numa atmosfera de eletricidade; a eletricidade é o verdadeiro princípio da vida; aumentá-la quando não é suficiente; reduzi-la quando existe em excesso; neutralizar os fluidos contrários, uns pelos outros, eis o segredo. Faço maravilhas com os meus aparelhos. Lede meus anúncios e vereis!* Não chegaríamos ao fim se quiséssemos resumir todas as teorias contrárias que foram preconizadas, cada uma por sua vez, sobre todos os ramos do conhecimento humano, sem excetuar nem mesmo as ciências exatas. Foi, porém, sobretudo nas ciências metafísicas que o campo esteve aberto às mais contraditórias doutrinas. Entretanto, um homem de espírito e de capacidade de discernimento (por que não os haveria na Lua?), compara todas essas afirmações incoerentes e tira uma conclusão muito lógica: sobre a Terra há regiões quentes e regiões frias; em certos lugares os homens se devoram entre si; noutros, matam os que não pensam como eles, tudo para a maior glória da sua divindade; enfim, cada um fala conforme os seus conhecimentos e elogia as coisas do ponto de vista de suas paixões e de seus interesses. Afinal, em que acreditará ele de preferência? Pela linguagem e sem dificuldade, distinguirá o verdadeiro sábio do ignorante; o homem sério do leviano; o que raciocina do que sofisma. Não confundirá bons com maus sentimentos, elevação com baixeza, o bem com o mal e dirá: “Devo ouvir tudo, tudo entender, porque, ainda na conversa do mais ignorante, posso algo aprender; mas a minha estima e a minha confiança só serão conquistadas por aquele que delas se mostrar digno.” Se essa colônia terrena quiser implantar os seus usos e costumes em sua nova pátria, os sábios repelirão os conselhos que lhes parecerem perniciosos e seguirão aqueles que se afigurarem mais esclarecidos e nos quais não perceberem falsidade nem mentira, mas, ao contrário, neles reconhecerem o sincero amor ao bem. Procederíamos de outro modo se uma colônia de selenitas viesse cair na Terra? Então! Aquilo que aqui é apresentado como uma suposição é uma realidade em relação aos Espíritos que, se não nos aparecem em carne e osso, nem por isso são menos presentes, de maneira oculta, e nos transmitem seus pensamentos através de seus intérpretes, isto é, dos médiuns. Quando tivermos aprendido a conhecê-los, julgá-los-emos por sua linguagem, por seus princípios, e suas contradições nada mais terão que nos surpreenda, porque veremos que uns sabem o que outros ignoram; que uns estão colocados muito embaixo ou ainda são muito materiais para que possam compreender e apreciar as coisas de uma ordem mais elevada. Esse é o homem que, no sopé da montanha, não vê mais do que alguns passos diante de si, enquanto o que está no cume vislumbra um horizonte sem limites.
* O leitor compreenderá que nossa crítica apenas visa ao exagero em todas as coisas. Em tudo existe um lado bom; o erro está no exclusivismo, que o sábio judicioso saberá sempre evitar. Não temos intenção de confundir os verdadeiramente sábios, dos quais a humanidade se honra a justo título, com aqueles que exploram as suas ideias sem discernimento. É destes que queremos falar. Nosso fim é unicamente demonstrar que a ciência oficial não está isenta de contradições.
A primeira fonte de contradições é, pois, o grau de desenvolvimento intelectual e moral dos Espíritos, mas existem outras sobre as quais é inútil chamar a atenção.
Dirão que se deve passar sobre a questão dos Espíritos inferiores, desde que se compreende que eles podem enganar-se por ignorância, mas como pode admitir-se que Espíritos superiores estejam em dissidência? Como é que num lugar empregam uma linguagem e noutro, outra? Que o mesmo Espírito, afinal, nem sempre seja coerente consigo mesmo?
A resposta a esta pergunta repousa sobre o conhecimento completo da ciência espírita e esta ciência não pode ser ensinada em poucas palavras, porque é tão vasta como todas as ciências filosóficas. Como todos os outros ramos do conhecimento humano, só se pode adquiri-la pelo estudo e pela observação. Não poderemos repetir aqui tudo quanto publicamos a respeito; a essa leitura remetemos o leitor, limitando-nos a um simples resumo. Todas essas dificuldades desaparecem para aquele que lança sobre essa questão um olhar investigador e sem prevenções.
Provam os fatos que os Espíritos enganadores não têm escrúpulos em adotar nomes respeitáveis, a fim de melhor imporem as suas torpezas, o que também é feito entre nós. Pelo fato de um Espírito apresentar-se com um nome qualquer não se segue que seja realmente aquele que declara ser. Há, porém, na linguagem dos Espíritos sérios, um cunho de dignidade que não poderia passar despercebido. Ele só respira bondade e benevolência e jamais se desmente. Ao contrário, a dos Espíritos impostores, a despeito do verniz que apresenta, não deixa de ferir o ouvido, como se costuma dizer. Nada há, pois, que admirar se, sob a capa de certos nomes, Espíritos inferiores ensinem coisas disparatadas. Cabe ao observador procurar conhecer a verdade, o que não é difícil, desde que queira compenetrar-se daquilo que a respeito dissemos em nossa Instrução Prática (Livro dos Médiuns).
Em geral esses mesmos Espíritos lisonjeiam o gosto e as inclinações das pessoas cujo caráter sabem bastante fraco e que são bastante crédulas para lhes dar atenção; tornam-se eco de seus preconceitos e até de suas ideias supersticiosas, e isto por uma razão muito simples: é que os Espíritos são atraídos por suas simpatias pelo Espírito das pessoas que os chamam e que os ouvem com prazer.
Quanto aos Espíritos sérios, também podem ter uma linguagem diferente, conforme as pessoas, mas com outro objetivo. Quando julgam conveniente, para melhor convencer, exprimem-se de acordo com a época, o lugar e as pessoas, evitando entrar bruscamente em choque com ideias arraigadas. “Eis por que”, dizem eles, “não falamos a um chinês ou a um maometano como a um cristão ou a um homem civilizado, pois não seríamos ouvidos. Algumas vezes podemos parecer concordar com a maneira de ver das pessoas, a fim de pouco a pouco conduzi-las ao ponto que desejamos, quando possível, sem alterar as verdades essenciais.” Não é evidente que se um Espírito quisesse levar um muçulmano fanático a praticar a sublime máxima do Evangelho: “Não façais aos outros aquilo que não quereríeis que vos fosse feito”, seria repelido se dissesse que isto tinha sido ensinado por Jesus? Ora, o que mais vale: deixar o muçulmano no seu fanatismo ou torná-lo bom, induzindo-o momentaneamente a pensar que foi Alá quem falou? Eis um problema cuja solução deixamos ao leitor. Quanto a nós, parece-nos que o tornando mais doce e mais humano, ele será menos fanático e mais acessível à ideia de uma nova crença do que se quiséssemos impô-la pela força. Há verdades que, para serem aceitas, não podem ser lançadas em rosto sem cuidado. Quantos males teriam os homens evitado se assim tivessem agido sempre!
Como se vê, os Espíritos também tomam precauções oratórias. Neste caso, entretanto, a divergência está no acessório e não no principal. Levar os homens ao bem; destruir o egoísmo, o orgulho, o ódio, a inveja, o ciúme; ensinar-lhes a praticar a verdadeira caridade cristã, é para eles o essencial. O resto virá em tempo útil. Eles pregam tanto pelo exemplo quanto pela palavra, desde que sejam Espíritos verdadeiramente bons e superiores. Tudo neles respira doçura e benevolência. A irritação, a violência, o azedume e a dureza de linguagem, ainda mesmo para dizer boas coisas, jamais são um sinal de verdadeira superioridade. Os Espíritos realmente bons jamais se zangam ou se exaltam. Se não são ouvidos, vão-se embora. Eis tudo.
Existem ainda duas causas de contradição aparente, que não devemos passar em branco. Como já o dissemos em muitas ocasiões, os Espíritos inferiores dizem tudo aquilo que queremos, sem preocupação com a verdade. Os Espíritos superiores calam-se ou se recusam a responder, quando lhes fazemos uma pergunta indiscreta ou sobre a qual não têm permissão para explicar-se. “Nesse caso”, disseram-nos, “não insistais nunca, porque então os Espíritos levianos respondem e vos enganam; pensais que somos nós e chegais a admitir que caímos em contradição. Os Espíritos sérios não se contradizem nunca. Sua linguagem é sempre a mesma com as mesmas pessoas. Se algum deles diz coisas contrárias tomando o mesmo nome, ficai certos de que não é o mesmo Espírito que fala ou, pelo menos, que não é um bom Espírito. Reconhecereis o bom pelos princípios que ele ensina, pois todo Espírito que não ensina o bem não é um bom Espírito. E vós deveis repeli-lo.”
Querendo dizer a mesma coisa em dois lugares diferentes, o mesmo Espírito não se servirá literalmente das mesmas palavras. Para ele o pensamento é tudo. Infelizmente, o homem é mais levado a prender-se à forma do que ao fundo. É essa forma que frequentemente interpreta conforme suas ideias e suas paixões e dessa interpretação podem nascer contradições aparentes que, também elas, se originam na insuficiência da linguagem humana para exprimir as coisas extra-humanas. Estudemos o fundo; perscrutemos o pensamento íntimo e veremos que muitas vezes há analogia onde o exame superficial nos induziria a ver um disparate.
As causas das contradições da linguagem dos Espíritos podem, pois, ser assim resumidas:
1.º — O grau de ignorância ou de saber dos Espíritos aos quais nos dirigimos;
2.º — O embuste dos Espíritos inferiores que podem, por malícia, ignorância ou malevolência, tomando um nome de empréstimo, dizer coisas contrárias às que alhures foram ditas pelo Espírito cujo nome usurparam;
3.º — As falhas pessoais do médium, que podem influir sobre as comunicações e alterar ou deformar o pensamento do Espírito;
4.º — A insistência por obter uma resposta que um Espírito se recusa a dar, e que é dada por um Espírito inferior;
5.º — A própria vontade do Espírito, que fala conforme o momento, o lugar e as pessoas e pode julgar conveniente nem tudo dizer a toda gente;
6.º — A insuficiência da linguagem humana para exprimir as coisas do mundo incorpóreo;
7.º — A interpretação que cada um pode dar a uma palavra ou a uma explicação, de acordo com as suas ideias, os seus preconceitos ou o ponto de vista sob o qual encara o assunto.
São muitas as dificuldades, das quais não se triunfa senão por um estudo longo e assíduo. Também nunca dissemos que a ciência espírita é fácil. O observador sério, que tudo aprofunda maduramente, com paciência e perseverança, apreende uma porção de nuanças delicadas que escapam ao observador superficial. É por tais detalhes íntimos que ele se inicia nos segredos desta ciência. A experiência ensina a conhecer os Espíritos, como nos ensina a conhecer os homens.
Acabamos de considerar as contradições do ponto de vista geral. Em outros artigos trataremos dos pontos especiais mais importantes.