Março
Aos nossos correspondentesSenhores,
Conheceis o provérbio: “Ninguém é obrigado a fazer mais do que pode”. É escudado nesse princípio que venho reclamar junto a vós. Há seis meses, com a melhor vontade do mundo, é-me impossível pôr em dia a minha correspondência, que se acumula além de todas as previsões. Estou, assim, na situação de um devedor que procura um arranjo com os credores, sob pena de me declarar falido. À medida que são pagas algumas dívidas, chegam novas e mais numerosas obrigações, posto o atrasado cresça em vez de diminuir e, no momento, já me encontre ante um passivo de mais de duzentas cartas. Ora, sendo a média diária de dez, não vejo meio de me liberar, se me não concederdes um sursis ilimitado.
Longe de mim lamentar-me pelo número de cartas que recebo, pois isto é uma prova irrecusável da extensão da doutrina e em sua maioria exprimem sentimentos que me sensibilizam profundamente e constituem um arquivo de preço inestimável. Aliás, muitas encerram ensinamentos que jamais ficarão perdidos e que, mais cedo ou mais tarde, serão utilizados conforme as circunstâncias, pois são imediatamente classificados por assunto.
Só a correspondência absorveria e ultrapassaria todo o meu tempo, entretanto ela apenas constituiu a quarta parte de minhas obrigações para com a tarefa que empreendi e cujo desenvolvimento eu estava longe de prever no início de minha carreira espírita. Assim, várias publicações importantes se acham paradas por falta de tempo para nelas trabalhar e dos meus guias espirituais acabo de receber um convite premente para me ocupar das causas urgentes sem demora, deixando de lado tudo o mais. Forçoso me é, pois, a menos que falhe na realização da obra tão felizmente iniciada, operar uma espécie de liquidação epistolar do passado e limi tar-me, para o futuro, às respostas estritamente necessárias e pedir, coletivamente, aos meus distintos correspondentes, aceitem a expressão de minha viva e sincera gratidão pelos testemunhos de simpatia que me dão.
Entre as cartas que me são dirigidas, muitas encenam pedidos de evocação ou de controle de evocações feitas alhures. Muitas vezes pedem informações sobre aptidão para a mediunidade, ou sobre coisas de interesse material. Eu lembraria o que já disse alhures sobre a dificuldade, e mesmo sobre os inconvenientes dessas espécies de evocações feitas na ausência das pessoas interessadas, únicas aptas a verificar a sua exatidão e fazer as perguntas necessárias, ao que se deve ajuntar que os Espíritos se comunicam mais facilmente e com mais benevolência aos seus afeiçoados do que a estranhos que lhes são indiferentes. Por isso, de lado toda consideração relativa às minhas ocupações, não posso atender aos pedidos dessa natureza senão em circunstâncias muito excepcionais e, em todo o caso, jamais no que concerne a interesses materiais. Muitas vezes seriam evitadas muitas perguntas se os interessados tivessem lido atentamente as instruções a respeito em O Livro dos Médiuns, capítulo 26.
Por outro lado, as evocações pessoais não podem ser feitas nas sessões da Sociedade senão quando ofereçam assunto de estudo instrutivo e de interesse geral. Fora disso só se podem fazer em sessões especiais. Ora, para satisfazer a todos os pedidos não bastaria uma sessão diária de duas horas. Além do mais, há que considerar que todos os médiuns, sem exceção, que nos dão o seu concurso, o fazem por mera gentileza e não admitem outras condições, e como eles têm as suas próprias obrigações, nem sempre estão disponíveis, por maior que seja a boa vontade. Compreendo todo o interesse que cada um liga às questões que lhe dizem respeito e sentir-me-ia feliz se pudesse responder a todos. Mas se levar em conta que minha posição me põe em contato com milhares de pessoas, compreender-se-á minha impossibilidade de fazê-lo.
É preciso imaginar que certas evocações não exigem menos de cinco ou seis horas de trabalho, tanto para fazê-las quanto para transcrevê-las e passar a limpo, e que todas as que me foram pedidas formariam um volume como O Livro dos Espíritos. Aliás, os médiuns se multiplicam diariamente e é raro não encontrar um na família ou entre os conhecidos ─ quando não se é em pessoa ─ o que é sempre preferível para as coisas íntimas. É uma questão de experimentar em boas condições, das quais a primeira é a de se compenetrar bem, antes de qualquer tentativa, das instruções sobre a prática do Espiritismo, se se quiserem evitar as decepções.
À medida que a doutrina cresce, minhas relações se multiplicam e aumentam os deveres de minha posição, o que me obriga a negligenciar um pouco os detalhes em favor dos interesses gerais, porque o tempo e as forças do homem têm um limite e eu confesso que as minhas, de algum tempo para cá, me vão faltando e não posso ter o repouso que por vezes me seria tanto mais necessário quanto sou só para dar conta de tudo.
Rogo-vos, senhores, aceiteis a renovada confirmação de meu afetuoso devotamento.
ALLAN KARDEC
Os Espíritos e o brasão
Dizem que ela tenderia a romper os laços da família, multiplicando-os, pois aquele que concentrasse sua afeição sobre o pai deveria reparti-la por tantos pais quantas as reencarnações. Como, então, uma vez no mundo dos Espíritos, se reconhecer no meio dessa progenitura? Por outro lado, em que se torna a filiação dos antepassados, se aquele que se julga descendente em linha reta de Hugo Capeto ou de Godofredo de Bulhões viveu várias vezes? Se, depois de ter sido um grão senhor, pode tornar-se um plebeu? Eis, assim, toda uma linhagem derrubada!
Para começar responderemos que de duas uma: ou isso é ou não é. Se for, todas as recriminações pessoais não impedirão que seja, porque, para regular a ordem das coisas, Deus não pede conselho a este ou àquele, do contrário cada um quereria que o mundo fosse regido à sua vontade. Quanto à multiplicidade dos laços de família, diremos que certos pais não têm senão um filho, enquanto outros têm dez, doze e mais. Já se pensou em acusar Deus de obrigá-los a dividir a afeição em tantas partes? E esses filhos, que por sua vez têm filhos, tudo isso não forma uma família numerosa da qual avô ou bisavô se vangloria, em vez de lamentar-se? Vós, que fazeis vossa genealogia remontar a cinco ou seis séculos, uma vez no mundo dos Espíritos, não devereis partilhar a vossa afeição entre todos os vossos ascendentes? Se vos atribuís uma dúzia de avós, então tereis o duplo ou o triplo, eis tudo! Mas tendes uma ideia muito mesquinha dos vossos sentimentos afetuosos, pois temeis que não bastem para querer a várias pessoas. Tranquilizai-vos, porém. Vou provar que com a reencarnação vossa afeição será menos dividida do que se não existisse. Com efeito, suponhamos que na vossa genealogia contásseis cinquenta avós, tanto ascendentes diretos quanto colaterais, o que é pouco, se remontardes às cruzadas. Pela reencarnação pode ser que alguns dentre eles voltem várias vezes, e que assim, em lugar de cinquenta Espíritos que contais na Terra, só encontreis a metade no outro mundo.
Passemos à questão de filiação. Com o vosso sistema chegais a um resultado diferente daquele que esperais. Se não houver preexistência, anterioridade da alma, a alma ainda não viveu. Nesse estado de coisas, não tem nenhuma relação com nenhum dos vossos antepassados. Suponhamos que descendais em linha reta de Carlos Magno. O que é que há de comum entre vós e ele? O que foi que vos transmitiu intelectual e moralmente? Nada, absolutamente nada. Por que vos apegais a ele? Por uma série de corpos que apodreceram todos, destruídos e dispersados? Não há nisso por que vos sentirdes orgulhosos. Com a preexistência da alma, ao contrário, podeis ter tido com os vossos antepassados relações reais, sérias e mais lisonjeiras para o amor-próprio. Portanto, sem a reencarnação existe apenas um parentesco corporal, pela transmissão de moléculas orgânicas da mesma natureza que a dos cavalos puro-sangue. Com a reencarnação há um parentesco espiritual. Qual dos dois é melhor?
Certamente objetareis que com a reencarnação um Espírito estranho pode infiltrar-se na vossa linhagem e que, em vez de nela contar apenas gentis-homens, pode-se aí encontrar um sapateiro. É perfeitamente certo, mas isso não quer dizer nada. São Pedro era um pobre pescador. Ele não seria de uma casa suficientemente digna que nos fizesse corar por tê-lo em nossa família?
Depois, entre seus antepassados de nomes brilhantes, tiveram todos uma conduta edificante, a nosso ver a única coisa de que, até certo ponto, nos poderíamos honrar, posto o seu mérito nada tenha com o nosso? Que se perscrute a vida particular desses paladinos, desses grandes barões que roubavam sem escrúpulos os transeuntes e que, em nossos dias, seriam simplesmente arrastados à barra do tribunal por seus grandes feitos; de certos grão senhores para quem a vida de um vilão não valia uma peça de caça, pois faziam enforcar um homem por causa de um coelho. Tudo isso eram pecadilhos que não manchavam brasões. Mas fazer um casamento desigual; introduzir na família um sangue plebeu era um crime imperdoável. Ora, por mais que se faça, quando soar a hora da partida ─ e soa para os grandes como para os pequenos ─ terão que deixar na Terra as roupas bordadas e os pergaminhos de nada servirão diante do juiz supremo, que pronuncia esta sentença terrível: Aquele que se exaltar será humilhado!
Se bastasse descender de qualquer grande homem para ter seu lugar marcado previamente no Céu, a gente o compraria barato, pois custaria apenas o mérito alheio. A reencarnação dá uma nobreza mais meritória ─ a única aceita por Deus ─ a de haver pessoalmente animado uma série de homens de bem. Feliz aquele que puder depor aos pés do Eterno o tributo dos serviços feitos à Humanidade em cada uma de suas existências, porque a soma de seus méritos será proporcional ao número de suas existências. Mas àquele que apenas puder prevalecer-se da ilustração de seus antepassados, perguntará Deus: “Por que vós mesmo não vos ilustrastes?”.
Um outro sistema poderia, aparentemente, conciliar as exigências do amorpróprio com o princípio da não reencarnação. É aquele pelo qual o pai não transmitiria ao filho apenas o corpo, mas também uma porção da alma, de modo que, se descendêsseis de Carlos Magno, vossa alma poderia ter seu tronco na dele. Muito bem. Vejamos, porém, a que consequência chegamos. Em virtude de tal sistema, a alma de Carlos Magno teria o seu tronco na de seu pai e, assim, elo por elo, chegaríamos a Adão. Se a alma de Adão é o tronco de todas as almas do gênero humano, as quais transmitem aos sucessores uma porção de si própria, as almas atuais seriam um produto de fracionamento tal que ultrapassaria todas as subdivisões homeopáticas. Disso resultaria que a alma do pai comum deveria ser mais completa e mais inteira que a dos descendentes. Resultaria, ainda, que Deus teria criado apenas uma alma, que se subdividiria ao infinito e assim cada um de nós não seria uma criação direta de Deus.
Aliás, tal sistema deixaria imenso problema a ser resolvido: o das aptidões especiais. Se o pai transmitisse a seu filho os atributos de sua alma, necessariamente transmitiria suas virtudes e seus vícios, seus talentos e sua inépcia, como lhe transmite certas enfermidades congênitas. Como, então, explicar por que homens virtuosos ou de gênio têm filhos maus ou cretinos e vice-versa? Por que uma linhagem seria misturada de bons e de maus? Dizei, ao contrário, que cada alma é individual; que tem existência própria e independente; que progride em virtude de seu livre-arbítrio, por uma série de existências corporais, em cada uma das quais adquire algo de bom e deixa algo de mau, até que tenha atingido a perfeição, e tudo se explica, tudo se acomoda à razão, à justiça de Deus, mesmo em proveito do amor-próprio.
O Sr. Salgues, de Antuérpia, de quem falamos no número passado, não é partidário da reencarnação. Depois do aparecimento de O Livro dos Espíritos ele escreveu-nos uma longa carta, na qual combatia essa doutrina com argumentos baseados na sua incompatibilidade com os laços de família. Nessa carta, datada de 18 de setembro de 1857, dá-nos a sua genealogia, que remonta aos carolíngios e pergunta em que se torna essa gloriosa filiação, com a mistura de Espíritos pela reencarnação. Dela extraímos a seguinte passagem:
“Mas para que serviriam os quadros genealógicos? Tenho o meu completo, regular: de um lado, desde os antepassados de Carlos Magno, e do outro, desde a filha do emir Muza, um dos descendentes abassidas de Maomé, décima geração por seu casamento com Garcia, príncipe de Navarra, pai, com ela, de Garcia Ximenes, rei de Navarra; e, enfim, essa genealogia continuou, por meio de alianças, por soberanos de quase todas as cortes da Europa, até a época de Afonso VI, rei de Castela, depois nas casas de Comminges, de Lascaris Vintimille, de Montmorency, de Turenne e finalmente dos condes e senhores Pelhasse de Salgues, no Languedoc.
“Tudo isto se pode verificar na Arte de verificar as datas, nos Beneditinos de Saint-Maur, no Dicionário da nobreza da França, no Armorial, no Padre Anselmo, Noreri, etc. Mas se não nos ligamos aos nossos pais senão pela matéria carnal que recebeu o nosso Espírito, não há em toda parte lacunas e soluções de continuidade? É um caminho traçado na areia, que se perde em milhares de direções.
Então, que nos seja permitido crer que se o Espírito não se transmite, a alma é para o homem o que o aroma é para a flor. Ora, Swedenborg não diz nos Arcanos que nada se perde na Natureza, e que o aroma das flores reproduz novas flores em outras regiões, que não aquela de onde saiu? É, pois, pela alma, que não é Espírito, que talvez existisse uma cadeia semiespiritual das gerações. Se tivesse contentado ao meu Espírito saltar oito ou dez gerações de vez em quando, onde poderia reconhecer meus antepassados?”
Como se vê, o Sr. Salgues não se apega senão à procedência do corpo. Como, porém, conciliar as relações de Espírito a Espírito com a não preexistência da alma? Se houvesse entre eles, na filiação, relações necessárias, como o descendente de tantos soberanos seria hoje um simples proprietário anjuvino? Aos olhos do mundo não é uma regressão? Não pomos em dúvida a autenticidade de sua genealogia, e o felicitamos por ela, desde que isso lhe dá prazer, mas diremos que o prezamos mais por suas virtudes pessoais do que pelas dos antepassados.
A autoridade de Swedenborg é muito contestável, quando atribui ao aroma a reprodução das flores. Esse óleo essencial, volátil, que lhe dá o aroma, jamais teve a faculdade reprodutora, que reside unicamente no pólen. Falta, portanto, justeza à comparação, pois se a alma apenas influencia, com seu perfume, a alma que a sucede, não a cria. Contudo, deveria transmitir-lhe suas próprias qualidades e, em tal hipótese, não vemos por que o descendente de Carlos Magno não teria enchido o mundo com o brilho de suas ações, enquanto que Napoleão se apoiaria sobre uma alma vulgar. Diga-se, no entanto, que Napoleão descende de Carlos Magno, ou melhor, que ele foi Carlos Magno, que veio no século dezenove continuar a obra começada no oitavo, e a gente compreenderá. Mas, com o princípio da unicidade da existência, nada liga Carlos Magno aos seus descendentes, a não ser esse aroma, transmitido pouco a pouco sobre almas não criadas. Então, como explicar por que, entre seus descendentes, houve tantos homens nulos e indignos, e por que Napoleão é um gênio muito maior do que seus obscuros antepassados?
Faça-se o que se fizer, sem a reencarnação, a gente se bate, a cada passo, contra dificuldades insolúveis, que só a preexistência da alma resolve de maneira ao mesmo tempo simples, lógica e completa, porque dá a razão de tudo.
Outra questão. Um fato conhecido é que as famílias se abastardam e degeneram quando as alianças não saem da linha direta. Dá-se nas raças humanas o mesmo que nas raças animais. Por que, então, a necessidade de cruzamentos? Em que se torna, então, a unidade do tronco? Não há aí uma mistura de Espíritos, uma intrusão de Espíritos estranhos à família?
Um dia abordaremos este grave problema, com todos os desenvolvimentos que o assunto comporta.
Palestras de além-túmulo
Sr. JobardDitado espontâneo (Sociedade espírita de paris, 8 de novembro de 1861 - Médium: Sra. Costel)
Para começar, quero contar minhas impressões no momento da separação de minha alma. Senti um abalo estranho e de repente lembrei-me de meu nascimento, de minha juventude, de minha idade madura. Toda a minha vida avivou-se claramente em minha memória. Experimentava um piedoso desejo de encontrar-me nas regiões reveladas por nossa querida crença. Depois todo esse tumulto se acalmou. Eu estava livre e meu corpo jazia inerte.
Ah! meus caros amigos, que emoção desvencilhar-se do peso do corpo! Que encantamento abarcar o espaço! Não creiais, porém, que de repente me tenha tornado um eleito do Senhor. Não. Estou entre os Espíritos que, tendo aprendido pouco, muito devem ainda aprender. Não demorei a me lembrar de vós, meus irmãos no exílio e, vo-lo asseguro, toda a minha simpatia, todos os meus votos vos envolveram. Tive logo o poder de me comunicar e tê-lo-ia feito por esta médium que receia ser enganada. Mas que ela sossegue, porque nós a amamos.
Quereis saber quais os Espíritos que me receberam? Quais as minhas impressões? Meus amigos foram todos os que nós evocamos; todos os irmãos que participaram dos nossos trabalhos. Vi o esplendor, mas não posso descrevê-lo. Apliquei-me em distinguir o que era verdadeiro nas comunicações, pronto a corrigir todas as asserções errôneas; enfim, pronto para ser o cavaleiro da verdade no outro mundo, como fui no vosso. Assim, falaremos muito, e isto não passa de um preâmbulo para mostrar à cara médium meu desejo de ser evocado por ela e a vós minha boa vontade em vir responder às perguntas que me ireis dirigir.
Jobard
Palestra
Subscrição para um monumento ao Sr. Jobard
Interrogado sobre o que pensava, o Sr. Jobard respondeu:
“Certamente. Mas eu refleti: Quereis saber se gosto de estátuas? Para começar, dai o vosso dinheiro aos infelizes, e se por acaso nos bolsos dos vossos coletes tiverem ficado algumas moedas de 5 francos, mandai erigir uma estátua. Isso sempre dará para um artista viver.”
Em consequência, a Sociedade receberá os donativos que para tanto lhe forem feitos e depositará as quantias na caixa do jornal La Proprieté Industrielle, rue Bergère, 21, onde foi aberta a subscrição.
Carrère — Verificação de identidade
Repetiremos o que dissemos alhures, que a identidade dos Espíritos que viveram em eras remotas, e que vêm trazer-nos ensinamentos, é quase impossível de verificar e que aos nomes se deve ligar apenas uma importância relativa. Aquilo que eles dizem é bom ou mau, racional ou lógico, digno ou indigno do nome que subscreve? Eis toda a questão. Já não é o mesmo com os Espíritos contemporâneos, cujo caráter e hábitos nos são conhecidos e que podem provar a sua identidade por particularidades e detalhes que raramente se conseguem quando solicitados e que é preciso saber esperar. Tal é o fato contado nesta carta:
“Bordeaux, 25 de janeiro de 1862.
“Meu caro senhor Kardec,
“Sabeis que temos o hábito de vos submeter todos os nossos trabalhos, aceitando inteiramente as vossas luzes e a vossa experiência para apreciá-los. Assim, quando para nós se trata de casos de chocante identidade, limitamo-nos a vo-los expor em todos os detalhes.
“O Sr. Guipon, chefe da contabilidade da Companhia de Estradas de Ferro do Sul, membro do grupo dirigente da Sociedade Espírita de Bordeaux, escreve-me, em data de 14 do corrente, a carta que se segue:
Meu caro senhor Sab ,
Permita lhe dirija o pedido de, em sessão, evocar o Espírito de Carrère, subchefe de turma da estação de Bordeaux, morto no comando de uma manobra a 18 de dezembro último. Junto, em envelope separado, os detalhes dos fatos que desejo sejam constatados e que, penso, seriam para nós sério assunto de estudo e de instrução. Ficaria muito agradecido se o envelope só fosse aberto após a evocação.
L.Guipon
A 18 do mesmo mês, em uma reunião de cerca de dez pessoas distintas de nossa cidade, fizemos a evocação pedida.
“Quando da morte de Carrère, sub-chefe de turma em Bordeaux, morto a 18 de dezembro último, o Sr. Beautey, chefe da estação P. V., mandou transportar o corpo para a estação de passageiros e mandou que um homem da turma fosse à sua casa, pedir à Sra. Beautey um Cristo para colocar sobre o cadáver. Essa senhora respondeu que o Cristo estava quebrado e, assim, não o podia emprestar.
“A 10 de janeiro corrente, a Sra. Beautey confessou a seu marido que o Cristo que ela recusara não estava quebrado, mas não tinha querido emprestá-lo para não experimentar as emoções consequentes a um acidente semelhante, ocorrido mais ou menos nas mesmas condições. Em seguida ela acrescentou que jamais recusará qualquer coisa a um morto, e assim se justificou: ─ Durante toda a noite da morte daquele homem, ele ficou visível para mim; durante muito tempo eu o vi, colocado em volta do Cristo, depois ao seu lado.
“A Sra. Beautey, que nunca tinha visto nem ouvido falar daquele homem, o descreveu tão exatamente ao seu marido que este o reconheceu como se tivesse estado presente. Aliás, não é a primeira vez que, em vigília, a Sra. Beautey vê Espíritos. Entretanto, um fato marcante é que o Espírito de Carrère impressionou-a fortemente, o que não lhe acontecia ao ver outros Espíritos.”
(ass.) Guipon
Mais abaixo se acha a seguinte menção:
“Esta narração é perfeitamente exata.
“Assinado: Beautey, chefe de estação.
“Julguei dever relatar o caso de identidade que acabo de expor, aliás raro e que certamente ocorreu com a permissão de Deus, que se serve de todos os meios para ferir a incredulidade e a indiferença.
“Se julgardes útil publicar o interessante episódio, encontrareis adiante as assinaturas das pessoas presentes à sessão. Elas pedem que vos diga que os seus nomes podem ser publicados, pois conservar o incógnito nessa circunstância seria um erro. Os nomes próprios que figuram nos minuciosos detalhes da evocação de Carrère também podem ser publicados.
“Vosso servo dedicado,
A. SABÒ”
“Atestamos que os detalhes relatados na presente carta são inteiramente verdadeiros e não hesitamos em confirmá-los com a nossa assinatura.
“A. Sab , chefe da Contabilidade da Cia. de Estradas de Ferro
do Sul, Rua Berennes, 13;
“Ch. Collignon, Capitalista, Rua Sauce, 12;
“Emilie Collignon, capitalista;
“L’Angle, empregado das contribuições indiretas, Rua Pélegrin, 28;
“Viúva Cazemajoux;
“Guipon, inspetor da contabilidade e da receita das Estradas de Ferro do Sul, Estrada de Bègles, 119;
“Ulrichs, negociante, Rua des Chartrons, 17;
“Chain, negociante;
“Jouanni, empregado do Sr. Arman, construtor de navios, Rua Capenteyre, 26;
“Gourgues, negociante, Estrada de Saint-Genès, 64;
“Belly, mecânico, Rua Lafurterie, 39;
“Hubert, capitão do 88º. de linha;
“Puginier, lº tenente do mesmo regimento.”
Como de costume, os incrédulos levarão o caso à conta de imaginação. Dirão, por exemplo, que a Sra. Beautey tinha o espírito chocado pela recusa e que o remorso a fez supor que via Carrère. Convenhamos que é possível. Mas os negadores, que não primam por analisar antes de julgar, não examinam se alguma circunstância foge à sua teoria. Como explicarão a descrição que ela fez de um homem que nunca viu? “É um acaso”, dirão.
─ Quanto à evocação, também direis que o médium apenas traduziu o seu pensamento, ou o dos assistentes, desde que as circunstâncias eram ignoradas? Também foi o acaso?
─ Não. Mas entre os assistentes estava o Sr. Guipon, autor da carta lacrada e conhecedor do fato. Ora, seu pensamento pôde ser transmitido ao médium, pela corrente de fluidos, visto que os médiuns estão sempre em estado de superexcitação febril, alimentada e provocada pela concentração dos assistentes e de sua própria vontade. Ora, nesse estado anormal, que não passa de um estado biológico, segundo o Sr. Figuier, há emanações que escapam do cérebro e dão percepções excepcionais, provenientes da expansão dos fluidos, que estabelecem relações entre as pessoas presentes e mesmo ausentes. Vedes, pois, por essa explicação tão clara quanto lógica, que não há necessidade de recorrer à intervenção dos supostos Espíritos, que só existem em vossa imaginação.
─ Tal raciocínio, confessamo-lo humildemente, ultrapassa a nossa inteligência.
A vós perguntamos: Vós mesmos o compreendeis bem?
Ensinos e dissertações espíritas
A reencarnaçãoÉ verdade que nos livros sagrados se encontram estas palavras: “Depois da morte o homem será recompensado por suas obras”. Mas não se presta atenção a uma infinidade de citações que vos dizem ser absolutamente impossível que o homem atual seja punido pelas faltas e pelos crimes dos que viveram antes do Cristo.
Não posso deter-me em tantos exemplos e demonstrações dadas pelos que acreditam na reencarnação. Vós mesmos podeis fornecê-los. Os bons Espíritos vos ajudarão, e será um trabalho agradável. Podeis acrescentar isso aos ditados que vos dei e vos darei ainda, se Deus o permitir.
Estais convencidos do amor de Deus para com as criaturas. Ele só deseja a felicidade de seus filhos. Ora, o único meio que eles têm de um dia atingir essa suprema felicidade está inteiramente nas encarnações sucessivas.
Já vos disse que o que Kardec escreveu sobre os anjos decaídos é a maior verdade. Os Espíritos que povoam o vosso globo, na maioria, sempre o habitaram. Se são os mesmos que retornam há tantos séculos, é que pouquíssimos mereceram a recompensa prometida por Deus.
O Cristo disse: “Esta raça será destruída e em breve esta profecia será cumprida”. Se se acredita num Deus de amor e de justiça, como admitir-se que os homens que vivem atualmente, e mesmo os que viveram há dezoito séculos, possam ser culpados pela morte do Cristo sem se admitir a reencarnação? Sim, o sentimento de amor a Deus; o das penas e recompensas futuras; a ideia da reencarnação são inatos no homem, desde séculos. Vede todos os historiadores, vede os escritos dos sábios da antiguidade e vos convencereis de que essa doutrina em todos os tempos foi admitida por todos os homens que compreendiam a justiça de Deus. Agora compreendeis o que é a nossa Terra e como é chegado o momento em que serão realizadas as profecias do Cristo.
Lamento que encontreis tão poucas pessoas que pensam como vós. Vossos compatriotas só pensam na grandeza e no dinheiro, em criarem um nome. Repelem tudo quanto possa travar as paixões más. Que isso, porém, não vos tire a coragem. Trabalhai pela vossa felicidade, e para o bem daqueles que talvez renunciem aos seus erros. Perseverai na vossa obra; pensai sempre em Deus e no Cristo, e a beatitude celeste será a vossa recompensa.
Se se quiser examinar o problema sem preconceitos, refletir sobre a existência do homem nas várias condições da Sociedade, e coordenar essa existência com o amor, a sabedoria e a justiça de Deus, toda a dúvida concernente à reencarnação desaparecerá. Com efeito, como conciliar essa justiça e esse amor com uma existência única, na qual todos nascem em posições diferentes; onde um é rico e grande, ao passo que o outro é pobre e miserável; em que um goza de saúde, ao passo que outro é afligido por doenças de toda a sorte? Aqui se encontram o prazer e a alegria; mais longe a tristeza e a dor; nuns a inteligência é bem desenvolvida, noutros, apenas se alça acima dos brutos. É possível crer que um Deus todo amor tenha feito nascer criaturas condenadas por toda a vida ao idiotismo e à demência? Que tenha permitido que crianças na primavera da vida fossem arrebatadas à ternura de seus pais?
Ouso mesmo perguntar se se poderia atribuir a Deus o amor, a sabedoria e a justiça à vista desses povos mergulhados na ignorância e na barbárie, comparados às nações civilizadas, onde reinam as leis, a ordem, onde se cultivam as artes e as ciências?
Não basta dizer: “Em sua sabedoria, Deus assim estabeleceu todas as coisas”. Não, a sabedoria de Deus, que antes de tudo é amor, deve tornar-se clara para o entendimento do homem. O dogma da reencarnação tudo esclarece. Esse dogma, dado pelo próprio Deus, não se pode opor aos preceitos das Santas Escrituras. Longe disso, ele explica os princípios dos quais emanam para o homem o melhoramento moral e a perfeição. Esse futuro, revelado pelo Cristo, está de acordo com os atributos infinitos de Deus. Disse o Cristo: “Os homens todos não são apenas filhos de Deus: são também irmãos e irmãs da mesma família”. Ora, essas expressões devem ser bem compreendidas.
Um bom pai terreno dará a alguns filhos aquilo que recusa aos outros? Lançará um no abismo da miséria enquanto cumula o outro de riquezas, honrarias e dignidades? Acrescentai ainda que, sendo infinito o amor de Deus, não poderia ser comparado ao do homem por seus filhos. Tendo as diferentes posições do homem uma causa, e tendo essa causa por princípio o amor, a sabedoria, a bondade e a justiça de Deus, elas não podem encontrar sua razão de ser senão na doutrina da reencarnação.
Deus criou todos os Espíritos iguais, simples, inocentes, sem vícios e sem virtudes, mas com o livre-arbítrio de regular suas ações conforme um instinto, que se chama consciência, e que lhes dá o poder de distinguir o bem e o mal. Cada Espírito está destinado a atingir a mais alta perfeição, em seguimento a Deus e ao Cristo. Para atingi-la, deve adquirir todos os conhecimentos pelo estudo de todas as ciências; iniciar-se em todas as verdades; depurar-se pela prática de todas as virtudes. Ora, como essas qualidades superiores não se podem obter em uma vida única, todos devem percorrer várias existências, a fim de adquirirem os diversos graus de saber.
A vida humana é a escola da perfeição espiritual e uma série de provas. Por isso é que o Espirito deve conhecer todas as condições sociais e, em cada uma delas, aplicar-se em cumprir a vontade divina. O poder e a riqueza, como a pobreza e a humildade, são provas; dores, idiotismo, demência, etc. são punições pelo mal cometido em vida anterior.
Do mesmo modo que pelo livre-arbítrio o indivíduo pode realizar as provas a que está submetido, também pode falir. No primeiro caso, a recompensa não se fará esperar: consiste numa progressão na perfeição espiritual. No segundo caso, recebe a punição, isto é, deve reparar em nova vida o tempo perdido na vida precedente, da qual não soube tirar vantagem para si próprio.
Antes da encarnação, os Espíritos planam nas esferas celestes: os bons gozando a felicidade, os maus entregando-se ao arrependimento, vítimas da dor de serem abandonados por Deus. Mas, conservando a lembrança do passado, o Espírito se recorda de suas infrações à lei de Deus e Deus lhe permite, em nova existência, escolher suas provas e sua condição, o que explica por que muitas vezes encontramos nas classes inferiores da Sociedade sentimentos elevados e entendimento desenvolvido, ao passo que nas classes superiores por vezes encontramos inclinações ignóbeis e Espíritos muito brutos.
Pode-se falar de injustiça quando o homem que empregou mal a sua vida pode reparar suas faltas numa outra existência, e chegar ao seu destino? A injustiça não estaria na condenação imediata e sem retorno possível? A Bíblia fala dos castigos eternos, mas isso não se deveria realmente estender para uma vida única, tão triste e tão curta, para este instante, para este piscar de olhos em relação à eternidade. Deus quer dar a felicidade eterna como recompensa do bem, mas é preciso merecê-la e uma vida única, de curta duração, não basta para alcançá-la.
O amor de Deus é de toda a eternidade. Para esclarecer os homens, enviou sábios, profetas, o Salvador Jesus Cristo. Não é uma prova de seu infinito amor? Como, porém, receberam os homens esse amor? Melhoraram?
O Cristo disse: “Muitas coisas teria ainda a dizer-vos, mas não podereis compreendê-las devido à vossa imperfeição”. Se tomarmos as Sagradas Escrituras no verdadeiro sentido intelectual, aí encontraremos muitas citações que parecem indicar que o Espírito deve percorrer várias vidas antes de chegar ao fim. Também não se encontram nas obras dos filósofos antigos as mesmas ideias sobre a reencarnação dos Espíritos?
O mundo progrediu bastante no aspecto material, nas ciências, nas instituições sociais, mas do ponto de vista moral ainda está muito atrasado. Os homens desconhecem a lei de Deus e não escutam mais a voz do Cristo, eis por que, em sua bondade, Deus lhes dá, como último recurso, para chegar a conhecer os princípios da felicidade eterna, a comunicação direta com os Espíritos e o ensino do princípio da reencarnação, palavras cheias de consolação e que brilham nas trevas dos dogmas de tantas religiões diferentes.
À obra! E que a busca se realize com amor e confiança. Lede sem preconceitos; refleti sobre tudo quanto Deus, desde a criação do mundo, dignou-se fazer pelo gênero humano e sereis confirmados na fé que a reencarnação é uma verdade santa e divina.
O realismo e o idealismo em pintura (Sociedade espírita de paris. Médium: Sr. A. Didier)
I
A chamada pintura histórica de vossas escolas não está em correspondência com as exigências do século. Ouso dizer que há mais futuro para um artista em suas pesquisas individuais sobre a arte e sobre a história do que nessa via onde dizem que comecei a pôr o pé.
Só uma coisa poderá salvar a arte de vossa época. É um novo impulso e uma nova escola que, aliando os dois princípios que dizem tão contrários ─ o realismo e o idealismo ─ leve os moços a compreender que se os mestres assim são chamados, é porque viviam com a Natureza, e sua imaginação poderosa inventava onde era preciso inventar, mas obedecia onde era necessário obedecer.
Para muitas pessoas desconhecedoras da ciência da arte, muitas vezes as disposições substituem o saber e a observação. Assim, em vossa época veem-se por todos os lados homens de uma imaginação muito interessante, é certo, mesmo artistas, mas não pintores. Estes não serão contados na história senão comodesenhistas muito engenhosos. A rapidez no trabalho, a pronta realização do pensamento adquirem-se pouco a pouco pelo estudo e pela prática e, conquanto se possua essa imensa faculdade de pintar depressa, é necessário lutar ainda, lutar sempre. Em vosso século materialista, a arte, não o digo sob todos os pontos, felizmente materializa-se ao lado dos esforços realmente surpreendentes dos homens célebres da pintura moderna. Por que essa tendência? É o que indicarei na próxima comunicação.
Quase toda a minha vida se passou em Roma. Quando eu contemplava as obras dos mestres, esforçava-me por captar em meu espírito a ligação íntima, as relações e a harmonia do mais elevado idealismo e do mais real realismo. Raramente vi uma obra-prima que não reunisse esses dois grandes princípios. Nelas eu via o ideal e o sentimento da expressão, ao lado de uma verdade tão brutal que eu dizia para mim mesmo: é bem a obra do espírito humano; é bem a obra pensada e depois realizada; lá estão alma e corpo: é a vida inteirinha. Via que os mestres moles nas ideias e na compreensão o eram em suas formas, em suas cores, em seus efeitos. A expressão de suas cabeças era incerta e a de seus movimentos, banal e sem grandeza. É necessária uma longa iniciação em a Natureza para bem compreender os seus segredos, os seus caprichos e sua sublimidade. Não é pintor que quer. Além do trabalho de observação, que é imenso, é preciso lutar no cérebro e na prática contínua da arte. Em um momento dado, é necessário trazer para a obra que se quer produzir, os instintos e os sentimentos das coisas adquiridas e das coisas pensadas, numa palavra, sempre esses dois grandes princípios: corpo e alma.
NICOLAS POUSSIN[1]
Nota do Tradutor.
Os obreiros do Senhor (Cherbourg, fevereiro de 1861 - Médium: Sr. Robim)
Deus faz, neste momento, o censo de seus servos fiéis, e marcou com o dedo os que têm apenas a aparência de dedicação, para que estes não usurpem o salário dos servos dedicados, porque aos que não recuaram diante da sua tarefa, ele vai confiar os postos mais difíceis na grande obra da regeneração pelo Espiritismo, e estas palavras cumprir-se-ão: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no Reino dos Céus!”
O Espírito de Verdade
Instrução moral
Do alto das esferas celestes que percorro, meu olhar mergulha com satisfação em vossas reuniões e é com vivo interesse que acompanho as vossas santas instruções. Mas, ao mesmo tempo em que minh’alma se regozija por um lado, por outro experimenta um amargo sofrimento, quando penetra em vossos corações e aí ainda vê tanto apego às coisas terrenas. Para a maioria, o santuário de nossas lições é para vós uma sala de espetáculo e esperais sempre que de nossa parte surjam coisas maravilhosas. Não estamos encarregados de vos apresentar milagres, mas de trabalhar os vossos corações, abrindo grandes leiras para nelas lançar a mancheias as sementes divinas. Empenhamo-nos incessantemente em torná-la fecunda, porque sabemos que suas raízes devem atravessar a Terra de um a outro polo e cobrir-lhe a superfície. Os frutos que daí saírem serão tão belos, tão agradáveis e tão grandes que subirão até os céus.
Feliz aquele que tiver sabido colhê-los para se fartar, porque os Espíritos bemaventurados virão ao seu encontro, cingirão a sua fronte com a auréola dos escolhidos e o farão subir os degraus do trono majestoso do Eterno, e lhe dirão que participe da felicidade incomparável, dos prazeres e das delícias sem fim das falanges celestes.
Infeliz aquele a quem foi dado ver a luz e escutar a palavra de
Deus e que tiver fechado os olhos e tapado os ouvidos, porque o espírito das trevas o envolverá com suas asas lúgubres e o transportará para o seu negro império, para fazê-lo expiar, durante séculos, por tormentos sem conta, sua desobediência ao Senhor. É o momento de aplicar a sentença de morte do profeta Oséias: Coedam eos secundum auditionem coetus eorum. (Eu os farei morrer conforme o que tiverem ouvido). Que estas poucas palavras não sejam uma fumaça a evolar-se nos ares, mas que elas captem vossa atenção para que as mediteis e nelas reflitais seriamente. Apressai-vos em aproveitar os poucos instantes que vos restam para consagrá-los a Deus. Um dia viremos perguntar-vos o que fizestes dos nossos ensinos e como pusestes em prática a doutrina sagrada do Espiritismo.
A vós, pois, espíritas de Paris, que muito podeis por vossa posição pessoal e por vossa influência moral, a vós, digo, a glória e a honra de dar o exemplo sublime das virtudes cristãs. Não espereis que a infelicidade venha bater à vossa porta. Marchai à frente dos vossos irmãos sofredores; dai ao pobre o óbolo do dia; enxugai as lágrimas da viúva e do órfão com palavras doces e consoladoras. Levantai o ânimo abatido desse velho curvado ao peso dos anos e sob o jugo de suas iniquidades, fazendo brilhar em sua alma as asas douradas da esperança numa vida futura melhor. Por toda parte, à vossa passagem, prodigalizai o amor e a consolação. Elevando, assim, as vossas boas obras à altura dos vossos pensamentos, merecereis dignamente o título glorioso e brilhante que mentalmente vos conferem os Espíritos do país e do estrangeiro, cujos olhos estão fixados sobre vós e que, tocados de admiração à vista das ondas de luz que escapam de vossas reuniões, vos chamarão de Sol da França.
LACORDAIRE
A vinha do Senhor (Sociedade espírita de Paris. Médium: Sr. E. Vézy)
Semeai, semeai, e um dia colhereis com abundância. Vede o belo Sol no Oriente, como se ergue radioso e deslumbrante! Vem aquecer-vos e fazer crescerem os frutos da vinha. Vamos, filhos! As vindimas serão esplêndidas e cada um de vós virá beber a taça do vinho sagrado da regeneração. É o vinho do Senhor que será servido no banquete da fraternidade universal! Aí todas as nações serão reunidas em uma só e mesma família e cantarão louvores a um mesmo Deus. Armai-vos, pois, de arados e cutelos, vós que quereis viver eternamente. Amarrai as cepas, para que não caiam e se mantenham eretas, e suas pontas subirão ao Céu. Umas terão cem côvados, e os Espíritos dos mundos etéreos virão espremer os bagos e refrescar-se; o suco será de tal modo poderoso que dará força e coragem aos fracos. Será o leite a alimentar as crianças.
Eis a vindima que se vai fazer, e já se faz. Preparam-se os vasos que devem conter o sagrado licor. Aproximai os lábios, vós que quereis provar, porque esse licor vos embriagará de celeste ebriez e vereis Deus em vossos sonhos, enquanto esperais que a realidade suceda ao sonho.
Filhos! Essa vinha esplêndida que deve erguer-se para Deus é o Espiritismo. Adeptos fervorosos, é necessário mostrá-la pujante e forte e vós, crianças, é necessário que ajudeis os fortes a mantê-la e propagá-la. Cortai os brotos e plantaios em outro campo. Eles produzirão novas vinhas e outros brotos em todos os países do mundo.
Sim, digo eu, enfim todo o mundo beberá do suco da vinha e bebereis no reino do Cristo, com o Pai celeste! Sede, pois, fortes e dispostos e não vivais vida austera. Deus não pede que vivais em austeridades e privações; não pede que vos cubrais com o cilício; quer que vivais apenas conforme a caridade e o coração. Ele não quer mortificações que destroem o corpo. Ele quer que cada um se aqueça ao seu Sol, e se fez uns raios mais frios que outros, foi para dar a compreender a todos quanto é forte e poderoso. Não, não vos cubrais de cilício; não sevicieis a vossa carne aos golpes da disciplina. Para trabalhar na vinha é necessário ser robusto e poderoso. O homem deve ter o vigor que Deus lhe deu. Ele não criou a Humanidade para transformá-la em raça bastarda e esquálida; ele a fez com a manifestação de sua glória e de seu poder.
Vós que quereis viver a verdadeira vida, estais nas vias do Senhor quando tiverdes dado o pão aos infelizes, o óbolo aos sofredores e a vossa prece a Deus. Então, quando a morte vos fechar as pálpebras, o anjo do Senhor proclamará os vossos benefícios e vossa alma, transportada nas asas brancas da caridade, subirá para Deus tão bela e pura quanto o lírio que se abre pela manhã a um sol primaveril.
Orai, amai e fazei a caridade, meus irmãos. A vinha é grande. O campo do Senhor é grande. Vinde, vinde, que Deus e o Cristo vos chamam e eu vos abençoo.
SANTO AGOSTINHO
Caridade para com os criminosos. Problema moral.
“Um homem está em perigo de morte. Para salvá-lo é preciso arriscar a vida. Sabe-se, porém, que aquele é um malfeitor e que, se for salvo, poderá cometer novos crimes. Apesar disso devemos arriscar-nos para salvá-lo?”
A resposta que se segue foi obtida na Sociedade Espírita de Paris, a 7 de fevereiro de 1862, pelo médium Sr. A. Didier:
Eis uma questão muito grave que se pode apresentar naturalmente ao Espírito. Responderei de acordo com o meu adiantamento moral, pois que se trata de saber se deve-se expor a vida, mesmo por um malfeitor.
A dedicação é cega. A gente socorre um inimigo pessoal, logo, deve socorrer um inimigo da Sociedade, isto é, um malfeitor. Credes, então, que é só à morte que a gente subtrai aquele infeliz? Talvez seja à sua vida passada inteirinha.
Pensai nisto: Nesses rápidos instantes que lhe subtraem os últimos minutos da vida, o homem perdido revê sua vida passada, ou antes, ela se ergue à sua frente. Talvez a morte chegue muito cedo para ele, e a reencarnação talvez seja terrível. Atirai-vos, pois, homens esclarecidos pela ciência espírita! Atirai-vos, arrancai-o de sua danação e talvez então aquele homem, que talvez morresse blasfemando contra vós, se lance em vossos braços. Contudo, não pergunteis se o fará ou não: lançai-vos, porque salvando-o obedecereis a essa voz do coração que vos diz: “Tu podes salvá-lo; salva-o!”.
Lamennais.
OBSERVAÇÃO: Por singular coincidência, recebemos, há alguns dias, a seguinte comunicação, dada no grupo espírita do Havre, tratando mais ou menos do mesmo assunto.
Escrevem-nos que, em consequência de uma conversa a respeito do assassino Dumollard, o Espírito da Sra. Elisabeth de França, que já havia dado várias mensagens, apresentou-se espontaneamente e ditou o seguinte:
“A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinos dados por Deus ao mundo. Deve existir entre os verdadeiros discípulos de sua doutrina uma fraternidade completa. Vós deveis amar os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos se se arrependerem, como a vós mesmos, pelas falhas que cometerdes contra a sua lei. Pensai que sois mais repreensíveis e mais culpados que aqueles a quem recusais o perdão e a comiseração, pois muitas vezes eles não conhecem Deus como o conheceis e lhes será pedido menos do que a vós. Não julgueis. Oh! Não julgueis, minhas caras amigas, porque o julgamento que fizerdes vos será aplicado ainda mais severamente e necessitais de indulgência para os pecados que incessantemente cometeis. Não sabeis que há muitas ações que são crimes ante os olhos do Deus de pureza e que o mundo nem considera faltas leves? A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem mesmo mas palavras de consolo com que a acompanhais; não é somente isso que Deus exige. A caridade sublime ensinada por Jesus Cristo também consiste na benevolência concedida sempre e em todas as coisas ao vosso próximo. Ainda podeis exercer essa virtude sublime para com muitas criaturas que apenas dão esmolas e que as palavras amorosas e consoladoras as encorajarão e conduzirão ao Senhor. Os tempos se aproximam — digo-o ainda — nos quais remará a grande fraternidade neste globo. A lei do Cristo é a que regerá os homens: só ela será o freio e a esperança, e conduzirá as almas ás moradas da bem-aventurança. Amai-vos, pois, como filhos de um mesmo pai; não façais diferença entre os outros infelizes, porque Deus quer que todos sejam iguais. Assim, a ninguém desprezeis. Deus permite que grandes criminosos estejam em vosso meio, a fim de que vos sirvam de ensino. Em breve, quando os homens forem conduzidos às verdadeiras leis de Deus, não haverá mais necessidade desses ensinos e todos os Espíritos impuros e revoltados serão espalhados por mundos inferiores, em harmonia com as suas inclinações.
A esses, de quem vos falo, deveis o auxílio das vossas preces: é a verdadeira caridade, Não se deve dizer de um criminoso: E um míserável; deve pagar na Terra; a morte que lhe infligem é muito suave para um ser de sua espécie”. Não: não é assim que deveis orar. Olhai o vosso modelo Jesus. Que dizia ao ver o malfeitor ao seu lado? Ele o lamentava; considerava-o um doente muito infeliz: estendia-lhe a mão. Na realidade tal não podeis fazer; mas ao menos podeis orar por esse infeliz; assistir o seu Espírito nos momentos que ainda deve passar na Terra. O arrependimento pode tocar o seu coração se orardes com fé. Ele é vosso próximo, tanto quanto o melhor dos homens; sua alma transviada e revoltada foi criada, como a vossa, â imagem de Deus perfeito. Assim, orai por ele. Não o julgueis — pois não o deveis. Só Deus o julgará.
Elisabeth de França.