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        A criança e o ateu (Sociedade espírita africana - Médium: Srta. O...)
Um belo Espírito, gabando-se de ateu, 
Passeava um dia com um rapazinho, 
À margem dum regato, cuja margem ensombrada
Os protegia contra os raios do sol. 
Vendo fugir a água cristalina, 
Diz ao menino o sábio companheiro:
Aonde pensas tu que o curso veloz
Deve conduzi-lo ao deixar este vale? 
Ora! Diz ele, certamente um lago sereno 
Vai receber o tributo de suas águas;
E no fim da marcha acidentada, 
Deste modo terminam todos os riachos. 
Pobrezinho! diz a rir o professor,
Como teu espírito se engana! 
Aprende agora, aprende, pois, 
Como neste mundo tudo é finito. 
Quando ele se afasta da sua nascente, 
Onde as vagas surgem a cada instante,
É para ir, ao termo de seu curso, 
Ao seio do oceano, perdido para sempre. 
Assim é ele a nossa própria imagem:
Quando deixamos o mundo sedutor, 
Nada mais resta dessa curta passagem 
E nós entramos todos no nada. 
Ó Deus! diz o menino, com voz desconsolada,
Então isto é verdade?
Tal é nosso destino? 
Que! De minha amada mãe
Tudo terei perdido quando ela morrer? 
E eu que acreditava que sua alma querida 
Podia proteger ainda o seu filhinho,
Com ele partilhar as agruras da vida 
E um dia nos unirmos, junto ao Onipotente? 
Conserva sempre essa crença,
Diz baixinho o anjo protetor. 
Sim, ó querido, guarda bem a esperança, 
Sem a qual nesta Terra não há felicidade. 
O tempo se escoou.
Muitos anos depois, 
Nosso sábio transpôs o largo umbral da morte. 
E, como sempre, fiel aos loucos pensamentos, 
Morreu dizendo que Deus não existia. 
Também o rapazinho atingiu a velhice,
E, sem temor, foi receber a morte,
Pois conservava a fé da juventude, 
E nas mãos do Eterno entregou sua sorte. 
Vede, vede a multidão devotada
Deixar o Céu e vindo recebê-lo:
Os Espíritos puros são o bando sagrado
Para receber seu irmão exilado. 
Mas quem é aquela alma abandonada 
Que parece querer de todos se ocultar? 
É do sábio infeliz a alma desolada,
Que percebe a ventura sem a poder gozar. 
Oh! Que amargo não foi do mestre o sofrimento, 
Quando lhe apareceu, em toda a majestade,
Como juiz severo, aquele mesmo Deus,
Que em vida negara em eterno desafio! 
Oh! As lágrimas quentes de tanto sofrimento
Vieram rebentar o Espírito orgulhoso! 
Ele, que outrora troçava da Esperança 
Que o menino buscava para além do sepulcro. 
Mas a paternal bondade do Pai Onipotente
Não quis, ó não! puni-lo eternamente. 
E em breve essa alma humilde e arrependida, 
Uma vez mais à Terra voltará. 
Depois, redimida e, enfim, purificada,
Voará para o Céu, feliz e satisfeita. 
Irá, inebriada da mais pura alegria,
Repousar aos pés do Onipotente. 
    
Dulcis